Vi e ouvi e depois li, a entrevista ao Clube dos Jornalistas, de Manuel António Pina. Goste-se ou deteste-se, é um jornalista e um poeta de mão cheia. Disse, comentou e inquietou e isso foi o pior.
"Começamos a ter medo outra vez", "não é quixotismo, é uma exigência de cidadania". Fixei estas duas frases.
Custa-me e muito, servir-me ou socorrer-me da idade como argumento para o que quer que seja. Eu já vivi isso, já passei por aquilo, ah, no meu tempo, no meu tempo é que era bom.
Não era nada, era uma merda, uma boa merda!
Mas são de facto inquietantes estas campainhas, quando badalam agudamente bem dentro da nossa consciência. E o passado irrompe na memória como alguém que adormece na banheira e acorda com a sensação de quem estava a afogar-se.
A ditadura não foi a brincar, foi a sério, muito a sério. Fomos durante dezenas de anos, um povo isolado, só. De liberdade tínhamos uma avenida em Lisboa. A liberdade vivia nas prisões, era para aí que iam os seus defensores...ou para o exílio. Ou era vivida em silêncio e nas entrelinhas de um livro, de um poema ou de um artigo.
"Começamos a ter medo outra vez".
Mas que medo, de que medo realmente se trata?
É do mesmo medo de então que estamos a falar, é o mesmo medo que se sente, que medo será?
Do desemprego, da ambição profissional, do que se tem, se quer ter ou poder alcançar?
O que me inquieta é a indiferença, o deixa andar, o quero é safar-me e o parceiro que se lixe;
O que me inquieta é a falta de solidariedade, a baixa auto-estima, o bota-abaixo e ficar sentado;
O que me inquieta são os críticos de sofá, os jornalistas que pesquisam, pesquisam e refastelam-se a dizer ou a escrever sobre tudo, não entendendo de quase nada e pensando que estão a dizer grandes coisas.
A democracia é intocável e inquestionável, as más práticas atropelos dos seus agentes, não. Vamos-nos a eles sempre e quando for caso disso, sem hesitações, sem medos. Era o que mais faltava!
Mas estaremos e estarão mal, os que comparam ou relacionam democracia com facilitismo. A democracia é exigente e exige de todos nós, responsabilidade e empenho. Trabalho. E não tenhamos dúvidas; para que ela melhor funcione, teremos de exigir mais de cada um de nós para se poder exigir dos outros. Em tudo. Em democracia.
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